2. Pombo
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Ao Urbano, um obrigado
Grãos de terra
semeados a goma e cor
para que a pedra germine.
Os despojos frios do fogo
lançando raízes
sobre a tábua mineral.
Então a poda:
o ruído fenecendo
secando
para que o silêncio
possa dar frutos.
No sudário pétreo apenas
- sombra de uma sombra -
o rasto nu do indelével:
o abandono do corpo caído;
o peso dos dias
nas últimas flores;
a luz, a luz branca
em que se movem
os girassóis.
Sombras, apenas sombras
de mais uma mão na parede.
Na folha de calendário
dobra após dobra,
procuro um corpo que te invoque
uma asa onde possas morar
sem notar há quanto tempo
pousaste já
nos meus dedos.
“A mulher de Lot olhou para trás e ficou transformada numa estátua de sal.”
Gen 19, 26
Raras vezes se leram
palavras tão rudes,
gestos tão crus
tão duras atitudes.
Uma multidão sedenta
que lhe entreguem os mensageiros
da sua desgraça.
Um pai que, em penhor,
oferece a virgindade das próprias filhas,
a mesma que mais tarde
lhe será entregue
velada na inconsciência do álcool.
Uma cidade destruída
por um toque improvável de Deus,
por um Deus impossível,
por um Deus irascível
por um Deus irado,
por um Deus incrível.
por um Deus ausente.
Quando tudo arde,
onde repousa o teu olhar?
Nada é isto comparado
com a injustiça que te é feita:
num instante perdes
a vida duas vezes,
uma pelo fogo,
outra pela pedra,
a dureza nua da pedra,
a frieza crua do silêncio.
Quando tudo morre,
onde repousa o teu olhar?
Desde menino
me acompanha a tua imagem,
estátua de lágrima
num mundo em chamas,
monumento à nostalgia
memória de pedra,
o teu olhar é misericórdia.
Quando tudo parte,
onde repousa o teu olhar?
Bem sei: as raízes que te sustentam
são as mesmas que te prendem
e te condenam.
Bem sei: há alturas em que nada
podes levar contigo,
nenhum peso,
nenhuma memória
nenhuma imagem.
A tua figura
esculpida no vento e na sede,
no abandono e no silêncio,
é ela própria memória
de um povo sem descanso.
que passou por muitas mortes
caminhando.
Quando tudo é pedra,
é em ti que repousa
um coração.
Por ti
faria a Lua florir
bem-me-queres amarelos,
tulipas vermelhas,
rosas azuis.
Bem sei
que não lhes sentirias o aroma,
assim, a tantos quilómetros de distância.
Mas que importa o aroma que sentes
se o puderes imaginar?
Bem sei
que as flores são pequeninas.
Mas eu plantaria mil delas,
mil de cada, mil milhões
e esperaria, paciente, que crescessem,
até que toda a Lua florisse para ti,
ao chegares à janela.
Bem sei
que na Lua não há oxigénio
e as flores não poderiam sobreviver,
mas eu iria todos os dias
com o peito cheio de ar
e faria respiração boca-a-pétala.
De caminho tratava das lagartas,
(menos duas ou três por causa das borboletas),
e depois entrava na atmosfera de pára-quedas
com a sensação do prazer cumprido.
Bem sei
Que as flores morreriam ao fim de dois dias
por si ou arrancadas
por quem gosta de ver brancas as paredes da Lua.
Mas nada disso importava
se ao menos duas delas conseguissem
abrir-se ao espaço
e encher de pólen as estrelas.
As flores são efémeras, bem sei.
Também eu, tu e o que sentimos.
Mas aqui e agora, a lua é da cor que quisermos.
E eu,
Eu acho que gosto de ti.
Uma das minhas apostas deste ano é ler mais teatro. Sinto que o narrador é um recurso demasiado fácil e quero aprofundar essa arte de, pelo diálogo, dizer mais que as linhas. Pode dizer-se que foi um bom começo. Esta história foi um musical de sucesso, adaptado para o cinema em 1971.
Conta a história de uma família judaica onde se confrontam tradição e novos tempos. Lembrava-me de ver o filme da televisão e sobretudo desta ideia central que reli em "Do you love me?": de que o amor se faz de persistências muito para lá da paixão.
Fica o excerto desta música, no filme de Norma n Jewison, e o texto, em português:
- Golde, tenho que te contar uma coisa importante.
- Come a sopa.
- Está quente! Encontrei o Perchik com a Hodel.
- E... ?
- Bem, parece que eles gostam muito um do outro.
- E então? O que é que estás a pensar?
- Então... Resolvi autorizar o casamento!
- O quêeeeeeeeeeeeeeee?! Assim, sem mais nem menos? Sem sequer me perguntar?
- Eu é que sou o pai!
- Sabes quem é ele? Um pedinte! Não tem absolutamente nada!
- Eu não diria isso!Eu sei que ele tem um tio rico.
- Um tio rico!
- Golde, ele é um bom homem. Eu gosto dele. É meio doido, mas eu gosto dele. E o mais importante... é que Hodel gosta dele. Hodel adora-o. O que é que podemos fazer? O mundo mudou: é o amor... Tu amas-me?
- Eu o quê?!
- Amas-me?
- Se te amo?
- Sim?
- Acho que estás cansado e zangado: com tudo isto do casamento das filhas e os problemas ... Vai descansar. Deves estar doente.
- Não, Golde, fiz-te uma pergunta: amas-me?
- És tolo!
- Eu sei que sou. Mas amas-me?
- Se te amo?
- Sim?
- Há 25 anos que lavo a tua roupa, cozinho, trato da casa, dei-te filhos, ordenho a vaca ...Depois de 25 anos, vamos falar de amor porquê?
- A primeira vez que nos vimos foi no dia do casamento ...
- Eu estava com medo
- Eu estava envergonhada
- Eu estava nervoso
- Eu também
- Os meus pais diziam que iríamos aprender a amar e eu, agora, pergunto: Golde amas-me?
- Sou a tua mulher.
- Eu sei! Mas amas-me?
- Se te amo?
- Então?
- Há 25 anos que moro com ele, luto com ele, passo fome com ele. Há vinte e cinco anos que a minha cama é dele. Se isso não é amor, o que será?
- Então amas-me?
- Acho que sim...
- Eu também acho que te amo...
- Não muda nada, mas mesmo assim, depois de 25 anos é muito bom saber isso.