Terça-feira, 31.01.12

2. Pombo

Para melhor visualização, abrir a imagem num novo separador. 

 

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publicado por Nuno Cardoso Dias às 13:19 | link do post | comentar

Memória da matéria nada

Ao Urbano, um obrigado

 

Grãos de terra

semeados a goma e cor

para que a pedra germine. 

 

Os despojos frios do fogo

lançando raízes

sobre a tábua mineral. 

 

Então a poda:

o ruído fenecendo

secando

para que o silêncio 

possa dar frutos.

 

No sudário pétreo apenas

- sombra de uma sombra -

o rasto nu do indelével:

o abandono do corpo caído;

o peso dos dias

nas últimas flores;

a luz, a luz branca

em que se movem 

os girassóis. 

 

Sombras, apenas sombras

de mais uma mão na parede. 

 

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publicado por Nuno Cardoso Dias às 11:20 | link do post | comentar
Segunda-feira, 30.01.12

1. O pássaro

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publicado por Nuno Cardoso Dias às 16:50 | link do post | comentar

Origami

Na folha de calendário 

dobra após dobra, 

procuro um corpo que te invoque

uma asa onde possas morar

sem notar há quanto tempo

pousaste já

nos meus dedos.

 

 

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publicado por Nuno Cardoso Dias às 16:39 | link do post | comentar

Os livros voadores

Isto é lindo! 
publicado por Nuno Cardoso Dias às 16:38 | link do post | comentar
Sexta-feira, 27.01.12

A mulher de Lot

 

“A mulher de Lot olhou para trás e ficou transformada numa estátua de sal.”

Gen 19, 26

 

Raras vezes se leram

palavras tão rudes,

gestos tão crus

tão duras atitudes.

Uma multidão sedenta

que lhe entreguem os mensageiros

da sua desgraça.

Um pai que, em penhor,

oferece a virgindade das próprias filhas,

a mesma que mais tarde

lhe será entregue

velada na inconsciência do álcool.

Uma cidade destruída

por um toque improvável de Deus,

por um Deus impossível,

por um Deus irascível

por um Deus irado,

por um Deus incrível.

por um Deus ausente.

 

Quando tudo arde,

onde repousa o teu olhar?

 

Nada é isto comparado

com a injustiça que te é feita:

num instante perdes

a vida duas vezes,

uma pelo fogo,

outra pela pedra,

a dureza nua da pedra,

a frieza crua do silêncio.

 

Quando tudo morre,

onde repousa o teu olhar?

 

Desde menino

me acompanha a tua imagem,

estátua de lágrima

num mundo em chamas,

monumento à nostalgia

memória de pedra,

o teu olhar é misericórdia.

 

Quando tudo parte,

onde repousa o teu olhar?

 

Bem sei: as raízes que te sustentam

são as mesmas que te prendem

e te condenam.

Bem sei: há alturas em que nada

podes levar contigo,

nenhum peso,

nenhuma memória

nenhuma imagem.

 

A tua figura

esculpida no vento e na sede,

no abandono e no silêncio,

é ela própria memória

de um povo sem descanso.

que passou por muitas mortes

caminhando.

 

Quando tudo é pedra,

é em ti que repousa

um coração.

 

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publicado por Nuno Cardoso Dias às 13:23 | link do post | comentar
Quinta-feira, 26.01.12

Acho que gosto de ti

Por ti

faria a Lua florir

bem-me-queres amarelos,

tulipas vermelhas,

rosas azuis.

 

Bem sei

que não lhes sentirias o aroma,

assim, a tantos quilómetros de distância.

Mas que importa o aroma que sentes

se o puderes imaginar?

 

Bem sei

que as flores são pequeninas.

Mas eu plantaria mil delas,

mil de cada, mil milhões

e esperaria, paciente, que crescessem,

até que toda a Lua florisse para ti,

ao chegares à janela.

 

Bem sei

que na Lua não há oxigénio

e as flores não poderiam sobreviver,

mas eu iria todos os dias

com o peito cheio de ar

e faria respiração boca-a-pétala.

De caminho tratava das lagartas,

(menos duas ou três por causa das borboletas),

e depois entrava na atmosfera de pára-quedas

com a sensação do prazer cumprido.

 

Bem sei

Que as flores morreriam ao fim de dois dias

por si ou arrancadas

por quem gosta de ver brancas as paredes da Lua.

Mas nada disso importava

se ao menos duas delas conseguissem

abrir-se ao espaço

e encher de pólen as estrelas.

 

As flores são efémeras, bem sei.

Também eu, tu e o que sentimos.

Mas aqui e agora, a lua é da cor que quisermos.

E eu,

Eu acho que gosto de ti.

 

 

 

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publicado por Nuno Cardoso Dias às 12:58 | link do post | comentar
Quarta-feira, 25.01.12

Um violino no telhado (1/2012)

Uma das minhas apostas deste ano é ler mais teatro. Sinto que o narrador é um recurso demasiado fácil e quero aprofundar essa arte de, pelo diálogo, dizer mais que as linhas. Pode dizer-se que foi um bom começo. Esta história foi um musical de sucesso, adaptado para o cinema em 1971.

Conta a história de uma família judaica onde se confrontam tradição e novos tempos. Lembrava-me de ver o filme da televisão e sobretudo desta ideia central que reli em "Do you love me?": de que o amor se faz de persistências muito para lá da paixão. 

Fica o excerto desta música, no filme de Norma n Jewison, e o texto, em português: 

- Golde, tenho que te contar uma coisa importante.

- Come a sopa.

- Está quente! Encontrei o Perchik com a Hodel.

- E... ?

- Bem, parece que eles gostam muito um do outro.

- E então? O que é que estás a pensar?

- Então... Resolvi autorizar o casamento!

- O quêeeeeeeeeeeeeeee?! Assim, sem mais nem menos? Sem sequer me perguntar?

- Eu é que sou o pai!

- Sabes quem é ele? Um pedinte! Não tem absolutamente nada!

- Eu não diria isso!Eu sei que ele tem um tio rico.

- Um tio rico!

- Golde, ele é um bom homem. Eu gosto dele. É meio doido, mas eu gosto dele. E o mais importante... é que Hodel gosta dele. Hodel adora-o. O que é que podemos fazer? O mundo mudou: é o amor... Tu amas-me?

- Eu o quê?!

- Amas-me?

- Se te amo?

- Sim?

- Acho que estás cansado e zangado: com tudo isto do casamento das filhas e os problemas ... Vai descansar. Deves estar doente.

- Não, Golde, fiz-te uma pergunta: amas-me?

- És tolo!

- Eu sei que sou. Mas amas-me?

- Se te amo?

- Sim?

- Há 25 anos que lavo a tua roupa, cozinho, trato da casa, dei-te filhos, ordenho a vaca ...Depois de 25 anos, vamos falar de amor porquê?

- A primeira vez que nos vimos foi no dia do casamento ...

- Eu estava com medo

- Eu estava envergonhada

- Eu estava nervoso

- Eu também

- Os meus pais diziam que iríamos aprender a amar e eu, agora, pergunto: Golde amas-me?

- Sou a tua mulher.

- Eu sei! Mas amas-me?

- Se te amo?

- Então?

- Há 25 anos que moro com ele, luto com ele, passo fome com ele. Há vinte e cinco anos que a minha cama é dele. Se isso não é amor, o que será?

- Então amas-me?

- Acho que sim...

- Eu também acho que te amo...

- Não muda nada, mas mesmo assim, depois de 25 anos é muito bom saber isso.

publicado por Nuno Cardoso Dias às 13:42 | link do post | comentar

Mil milhas

Agora que andei 
mil milhas nos teus sapatos
nem por isso posso dizer
que te conheça melhor
e muito menos que te possa julgar.
Os sapatos, esses,
perderam as tuas marcas,
desgastados pelos meus passos 
e até o seu nó 
se refez nos meus dedos:
o mesmo que te ensinei
antes de aprenderes por ti
a tua forma de dar laços. 
E isto eu não posso aceitar,
não posso aceitar,
não posso. 
 
Um par de sapatos. Vincent Van Gogh, Arles, Agosto de 1888 [Wikimedia Commons]
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publicado por Nuno Cardoso Dias às 13:05 | link do post | comentar

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